1889

Nas últimas semanas de 1889, a tripulação de um navio de guerra brasileiro ancorado no porto de Colombo, capital do Ceilão (atual Sri Lanka), foi pega de surpresa pelas notícias alarmantes que chegavam do outro lado do mundo. “Brasil República...”, anunciava o telegrama recebido pelo almirante Custódio José de Mello, comandante do cruzador Almirante Barroso. “Bandeira mesma sem coroa...”, acrescentava a mensagem. Despachado do Rio de Janeiro no dia 17 de dezembro, o telegrama, na verdade, só confirmava os rumores que a tripulação tinha ouvido na escala anterior, na Indonésia. Dizia-se que o governo do Brasil havia sido derrubado. Mais do que isso, o país passara por uma drástica mudança de regime. O império brasileiro, até então tido como a mais sólida, estável e duradoura experiência de governo na América Latina, com 67 anos de história, desabara na manhã de Quinze de Novembro. A monarquia cedera lugar à república. O austero e admirado imperador Pedro II, um dos homens mais cultos da época, que ocupara o trono por quase meio século, fora obrigado a sair do país junto com toda a família imperial. Vivia agora exilado na Europa, banido para sempre do solo em que nascera. Enquanto isso, os destinos da nova república estavam nas mãos de um marechal já idoso e bastante doente, o alagoano Manuel Deodoro da Fonseca, considerado até então um monarquista convicto e amigo do imperador deposto.

 

Essas e outras histórias surpreendentes estão em 1889, o livro que trata da Proclamação da República e fecha a trilogia de Laurentino Gomes iniciada com 1808, sobre a fuga da corte portuguesa de Dom João para Rio de Janeiro, e 1822, sobre a Independência do Brasil. A obra contribui para a compreensão de um dos períodos mais controversos da história do país, em um relato cativante que explica não só os acontecimentos que levaram à queda da monarquia, em 1889, mas também outros episódios importantes da história brasileira como a Guerra do Paraguai e o movimento abolicionista.

 

A história republicana brasileira é menos conhecida, menos estudada e ainda menos celebrada do que os heróis e eventos do Brasil monárquico e imperial, que cobrem um período relativamente mais curto, de apenas 67 anos. A julgar pela memória cívica nacional, o Brasil tem uma república mal-amada. Personagens republicanos como Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto são nomes onipresentes em praças e ruas das cidades brasileiras, mas pergunte-se a qualquer estudante do ensino médio quem foram esses homens e a resposta certamente demorará a vir. Nas escolas ensina-se mais sobre o português Pedro Álvares Cabral, descobridor das terras de Santa Cruz, como o Brasil ainda era conhecido em 1500, ou Tiradentes, o herói da Inconfidência Mineira de 1789, do que sobre os criadores da República, episódio bem mais recente, ocorrido há pouco mais de um século.

 

Esse estranho fenômeno de indiferença coletiva encontra explicações na forma como se processou a troca de regime. O dia 15 de Novembro de 1889 amanheceu repleto de promessas cujo significado na época as massas pobres, analfabetas e recém-saídas da escravidão desconheciam. Nas proclamações e discursos dos propandistas republicanos, anunciava-se o fim da tirania representada pelo “poder pessoal” do imperador Pedro II. Dizia-se que um carcomido sistema de castas e privilégios, herdado ainda da época da colonização portuguesa, acabava de ser posto por terra. Na nova era de prosperidade geral, inaugurada pela república, a construção de um futuro glorioso estava ao alcance das mãos. Haveria menos injustiça e mais oportunidades gerais. Chamados a participar da condução dos destinos nacionais, todos os brasileiros teriam, finalmente, vez, voz e voto.

 

Havia, porém, uma contradição entre as promessas e a realidade daquele momento. Diferente do que faziam supor os discursos e anúncios oficiais, a república brasileira não resultou de uma campanha com intensa participação popular. Em vez disso, foi estabelecida por um golpe militar com escassa e tardia participação das lideranças civis.

 

A estranheza entre as promessas e a prática republicanas esclarece, em parte, a atual falta de prestígio do Quinze de Novembro no calendário cívico nacional. Este é também o pano de fundo deste livro.